“No sábado fui ao teatro assistir esta peça. Estou desde então tentando digerir tudo o que vivi, pensei, vi e senti ao entrar em contato com essa produção que sem sobra de dúvidas fez a função da arte: expandiu, tocou, explodiu pensamentos e afetos! Os personagens, a trama, os sons, as luzes e o enredo nos inclui em um lugar que nos é bem conhecido: a tradição, a repressão, a repetição. Com muita intensidade a obra mostra o preço caríssimo que se paga para seguir imposições sociais, para que padrões familiares sejam respeitados mesmo sem sentido algum, em nome da tradição. O desenho das cenas mostra a dinâmica de repetição e dor onde as próprias mulheres passam a exercer o papel de opressoras. Dentro desta dinâmica, aquela que ousar sentir desejo, mudar a rota, não aceitar ou questionar, será alvo de um ódio tamanho que a jogará violentamente de volta para o único lugar possível onde nada muda: a morte. A peça conta com personagens que podem representar todas as dimensões de nossa mente ao tentar sobreviver ao trauma: a inocência, o cuidado, a raiva e a violência, a negação, o humor. Cada uma das filhas sobrevive à sua maneira, para suportar tamanho ódio da mãe que apaga a vida das filhas em nome do “cuidado” e "bons costumes''. A tonalidade afetiva durante a peça oscila sendo possível até rir, ironicamente. Em alguns momentos foi possível até sentir esperança ou uma pulsão de vida. Mas - como um retrato exímio do que muitas vezes é a realidade - a repressão e a rigidez esmagam com ímpeto qualquer sinal de mudança. A tentativa de existir foi estrangulada pelo ódio, pelo medo, pela necessidade imperativa de controle. Às vezes não tem diálogo, força interna, desejo, juventude ou amor que vençam o gigante MORALISMO. Nos tornamos algozes a serviço do ódio que reprimimos. A peça nos leva a refletir que para estar adaptado a um sistema doentio é preciso estar doente. A filha que representa o ódio diz que “feliz foi ela” sobre a irmã mais nova que prefere a morte ao ter que viver sem vida. É isto que eu chamo de: ESPETÁCULO”
texto por Flaviana Amorim, Especialista em Psicologia Clínica - Psicanálise / Pós graduada em Promoção de Saúde (HC-USP), publicado em sua conta no Instagram, no dia seguinte à estreia do espetáculo.
Ficha técnica:
SINOPSE:
A morte inesperada do patriarca traz consigo uma velha tradição da família Alba: 8 anos de luto. Enclausuradas em suas próprias existências, as filhas de Bernarda digladiam-se longe dos olhos da mãe ao se apaixonarem pelo mesmo homem.
TEXTO: Federico García Lorca
DIREÇÃO: Rafa Corrêa
OP. SOM: Thiago dos Santos
FIGURINO: DaCota Monteiro e Glaucia Galante
COSTURA: Thamiris Ribeiro e Angélica Ribeiro
ORIENTADORA EM FLAMENCO: Carol Robatini
DURAÇÃO: 70 minutos
CLASSIFICAÇÃO: 14 anos
REALIZAÇÃO: Cia. Divino Ato
ELENCO: Glaucia Galante como Bernarda, Amanda Mesquita como Angústias, Anna Ise Andrade como Madalena, Julia Alonso como Amélia, Bianca Kriegel como Martírio, Isabela Peixoto como Adela, Rafa Corrêa como La Poncia e Manira Kotzent como a Criada.